sexta-feira, 4 de março de 2011

Capitulo 3

Capitulo 3

A besta de pelos negros novamente ganhava as ruas, em seus braços o corpo sem vida de Aline. Rapidamente se afastava da casa de sua noiva saltando o muro sem dificuldades e avançando por entre as casas, o enorme corpo erguido sobre as duas patas traseiras enquanto seus braços carregavam o corpo de sua amada noiva, o som das sirenes da viatura era facilmente percebido por sua aguçada audição, mas a fera já estava longe, já havia ganhado distância. Seu desejo incansável por caçar parecia ter sido tomando pela dor da perda de sua amada. O que era aquele sentimento? Uma fração da consciência humana na mente do monstro? Seria Victor por detrás da mente selvagem da criatura?
Não importava, naquele momento tudo que havia em sua mente era dor, agonia, raiva. Sim, raiva. O que eram aqueles seres cujo simples odor instigava a avançar, a destroçar e dilacerar sua carne fria e sem gosto?

As casas eram rapidamente deixadas para trás dando lugar às ruas escuras e vazias da periferia da grande cidade. O monstro parava, os olhos dourados sobre o corpo em seus braços, um corpo frio cujo sorriso que tanto amava nunca mais veria, a fera urrava, um uivo estridente e pesado, um uivo de pura tristeza.
Prosseguia, sem rumo, apenas vagando com o corpo em seus braços, sem conseguir mais identificar o odor daqueles seres que já odiava, mas não era ódio que vinha apenas da fera, e sim um sentimento mútuo vindo tanto da besta como de Victor. Eles a haviam matado, ele os odiaria por isso e a fera os odiava por puro instinto.

Continuava avançando rua por rua, beco por beco, viela por viela... Por quanto tempo havia vagado? A noite se mostrava prestes a terminar. Já parecia estar quase fora da cidade quando avistou a velha construção, um galpão abandonado e tomado pelo mato alto e ferrugem. Seguiu para aquele refúgio transpassando sem dificuldades e cerca de arame farpado, caminhando pelo capim alto até a velha porta trancada por uma grossa corrente com cadeado, inúteis perante a força da besta que os quebrava com um simples puxão.
Adentrou no grande galpão tomando pela poeira, algumas caixas velhas espalhadas por todo o local, as janelas quebradas pela depredação com alguns cacos ainda espalhados pelos cantos, o cheiro forte de mofo e sujeira, o sol começava a nascer, a fera estava cansada, sentia sua força se esvair conforme o amanhecer chegava. Aline era colocada próxima a algumas caixas, a enorme pata dianteira tocava levemente seu rosto, o monstro estava fraco, o corpo começava a perder as forças, os pelos e músculos se retraindo voltando a sua forma original, os olhos ferozes perdiam o tom dourado se tornando azuis, o monstro tombava ao lado de Aline onde agora apenas o corpo nú de Victor inconsciente restava.


***

Novamente já era noite quando Victor despertava, o corpo nú estava pesado, sentia-se cansado, os pensamentos vagos.
Onde estava afinal de contas?
Os olhos vagavam pela escuridão que cobria o local. Como podia enxergar tão bem com a ausência quase total de luz, o que afinal estava acontecendo com ele? Perguntas e pensamentos começavam a povoar sua mente até que seus olhos encontrassem o corpo sem vida a seu lado. ALINE. O que havia acontecido?

- Aline...? ALINE... ALINE...

Gritos, dor. O cansaço físico e dúvidas eram totalmente esquecidas. Aline... Aline...
Victor segurava o corpo envolvendo-a em seus braços. Estava fria, sem vida, morta.

- Aline? ... O... O que houve...? Aline... Não... NÃO... NÃO...

O corpo de Victor tremia, os olhos fixos aos furos no pescoço de Aline, o que era aquela sensação, sua mente lhe trazia lembranças, lembranças da fera. Os três de pele fria cujo cheiro instigava a fera a atacar. Um deles, a mulher, fora até a casa de Aline. As visões eram quase nítidas agora, o que aquela mulher teria feito a Aline? O corpo tremia violentamente apertando ainda mais o cadáver de Aline contra seu peito, os músculos pareciam querer ganhar volume. Ódio. Victor queimava em ódio por dentro sem nem mesmo entender o motivo.
Aquela mulher havia matado Aline? O que eram aquelas coisas? O que ele era?
Os pensamentos pareciam se escurecer sentindo a fera dentro dele rugindo de fúria, ele mesmo estava queimando em fúria e isso fortalecia o lobo.
Um som de metal vinha da porta. Victor rapidamente voltava seu olhar com os olhos dourados para o local. Havia mais alguém ali. Sim, havia alguém encostado a porta, uma mulher.

- Boa noite...

A voz suave percorria o ambiente, a mulher estava levemente encostada à porta, vestia calças jeans escuras com botas de cano alto, uma blusa justa deixando o umbigo a mostra com a pequena jaqueta de couro aberta por cima, a pele clara e pálida, longos cabelos negros que desciam até a metade de suas costas, lisos no inicio e com leves ondulações, os olhos de íris negras fixos aos dourados de Victor. Em momento algum parecia se importar com o fato do rapaz estar nú a sua frente.

- Quem é você? – A voz mais parecia um rosnado, a mulher sorria pelo canto do lábio em resposta ao tom.

- Natássia... E você é?

- O que faz aqui?

- Estou aqui para ajudá-lo... – A mulher mantinha a voz calma.

- Me ajudar? ...

Victor parava a frase, aquela mulher tinha o mesmo odor que os três da última noite, o mesmo odor da mulher que matara Aline. Mesmo o cheiro estando mais leve ao olfato, podia sentir.
Natássia rapidamente deixava a porta quando Victor, urrando, avançava contra ela. Suas íris mudavam para um tom vermelho vivo, conseguia desviar do soco que afundava um pedaço da velha porta de metal.

-VOCÊ MATOU ALINE... – Victor grunhia, a face deformada onde os dentes começavam a se afinar, os músculos pulsantes, estava prestes a explodir. Natássia abria um largo sorriso com a cena, mostrando certa satisfação.

- Magnífico... Está a um passo de se transformar voluntariamente... E pensar que acabara de despertar...

- Maldita... Do que você esta falando? ... Afinal de contas o que vocês são? Porque mataram a Aline...? RESPONDE...

Novamente Victor investia, as unhas já assumiam uma forma mais afiada, os olhos possuíam um tom dourado, as palavras saiam como rosnados, sentia o corpo ferver, avançando contra a mulher. Natássia novamente desviava do golpe do punho direito de Victor, porém era agarrada pelo braço esquerdo deste que a erguia sem dificuldades. Ele rosnava e ela grunhia de volta, os longos caninos a mostra. Victor levava um chute em seu rosto, não forte o suficiente para lhe causar algum dano, mas ainda assim forte o bastante para fazê-lo recuar soltando Natássia.

- ACALME-SE... Não sou sua inimiga... Pelo contrário, estou aqui para lhe oferecer ajuda... Se assim fosse minha vontade, teria lhe matado enquanto estava desacordado...

Havia uma curta distância entre eles. Victor tremia, tentava conter a fera que desejava sair. Natássia recuava alguns passos, as presas se retraiam, porém os olhos ainda mantinham o tom vermelho vivo, atentos.

- Sou uma Strigoi... Ou se preferir, pode usar o termo vampira... Os outros da noite passada também eram strigois, ou vampiros... Particularmente não gosto desta definição...

- Vampiros? ... E o que eu...

- Loup-Garou... – Natássia respondia antes mesmo de Victor terminar a frase. – Ou se preferir, use o termo lobisomem...

Só podia ser brincadeira, a informação parecia trazer a mente de Victor de volta ao controle, a fera ainda estava ali, querendo destruir a mulher a sua frente, mas o choque daquela informação fazia Victor recuar. Seria realmente possível?
As íris dos olhos de Natássia voltavam para o tom negro ao ver Victor mais calmo, os músculos começavam a perder volume, a mandíbula voltava ao formato humano, apenas os olhos permaneciam dourados, porém em um tom menos vívido.

- Na verdade você é um puro-sangue... Descendente direto de lobisomens...  Aquela que matou a mulher que esta atrás de você – Natássia apontava para o corpo de Aline – serve a um inimigo meu... Eles pretendiam lhe destruir...

- Me destruir? Por quê?

- Simples... Você é um loup-garou... Digamos que nossas espécies são inimigas naturais... O fato de haver um lobisomem em seu território é um grande problema... Ainda mais um puro-sangue... É mais fácil destruí-lo logo após seu despertar, quando você ainda não sabe controlar seus poderes... A mulher nada mais foi do que uma vítima...

- Aline... Foi uma vitima? – Novamente os tremores percorriam o corpo de Victor, os olhos se acendiam no tom dourado – E se somos inimigos naturais... Então porque você quer me ajudar?

- Simples... Iamic al inamicului meu este prietenul meu ... Ou... O inimigo do meu inimigo é meu amigo... Aqueles três nada mais eram do que rastreadores, apenas seguindo ordens...

Natássia fazia uma pausa, as mãos delizavam pelos longos fios de cabelo negro, Victor parecia mais clamo, havia uma certa relutância em aceitar tudo aquilo, mas como negar? Tudo fazia sentido levando em conta a explicação da vampira.

- Minha proposta é simples... Posso lhe ensinar mais sobre você mesmo... Como controlar a fera, utilizar seus dons e poderes... E tudo que desejo em troca é sua ajuda para destruirmos um inimigo em comum... O que diz?

Natássia estendia a mão para Victor, seus olhos negros sobre os olhos azuis do homem nú a sua frente. A vampira sorria. A mão estendida à espera da resposta do lobisomem.

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